TERROR EM LISBOA


Começa amanhã a 4.ª edição do “MOTELx”, o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, que decorrerá até ao próximo Domingo. Organizado pelo CTLX – Cineclube de Terror de Lisboa, é desde 2007 um espaço de convívio e descoberta pensado para todos os que procuram novos autores, novos filmes e novas abordagens a este género.
O festival terá cinco secções, sendo o “Serviço de Quarto” o espaço dedicado Às longas-metragens, onde este ano sobressai a produção britânica, mas onde podemos também ver filmes vindos de outros países europeus, ou mesmo da Tailândia ou da Austrália. No “Culto dos Mestres Vivos”, dedicado ao norte-americano George A. Romero, que será o grande convidado desta edição, será feita uma retrospectiva da obra cinematográfica do realizador e mostrado o seu mais recente filme “Survival of the Dead”.

A secção “Japão Retro” exibirá três clássicos do cinema de terror japonês seleccionados. Ao “Quarto Perdido”, secção criada no ano passado e que procura as raízes do cinema de terror português, caberá a responsabilidade das honras da sessão de abertura com uma obra portuguesa em antestreia absoluta, “Noite Sangrenta”, realizada por Tiago Guedes e Frederico Serra, uma co-produção entre a RTP e a produtora David & Golias, por ocasião das comemorações do Centenário da República Portuguesa.

Para a secção “Curtas Internacionais”, foram escolhidas 19 curtas-metragens internacionais de 14 países diferentes, do Canadá à Coreia do Sul, do Brasil à Macedónia, da Irlanda à Letónia, que serão exibidas nas sessões do Festival, em complemento das longas-metragens, mas este ano também à hora de almoço. Por fim, o “Prémio MOTELx - Melhor Curta de Terror Portuguesa 2010”, será disputado entre 12 curtas-metragens, produções e co-produções portuguesas, num total de 149 minutos de terror nacional. O Júri será composto por Alan Jones, crítico de renome internacional e especialista em cinema de terror, José de Matos-Cruz, crítico e autor, e ainda, José Nascimento, realizador.

Para além do cinema, o MOTELx contará também com uma apresentação do “liZboa”, um videojogo cuja acção irá decorrer na cidade de Lisboa, em ambientes e locais emblemáticos da cidade, retratando uma pandemia zombie com epicentro na capital portuguesa, sendo o jogador colocado no papel de um dos sobreviventes. A apresentação, que será na quinta-feira às 18 horas, incluirá a mostra da primeira curta-metragem “liZboa”, a primeira demo jogável do projecto e uma sessão de perguntas e respostas. A seguir, às 19:15, terá lugar a “Noite de jogos de Terror”.
No contacto com os autores, haverá um painel de discussão, Sábado às 19:15, sobre o “Brit Horror” com o realizador Neil Marshall (“Centurion”, 2010), que lidera uma autêntica invasão britânica, da qual fazem parte os realizadores Gerard Johnson (“Tony”, 2009), também acompanhado de Peter Ferdinando, o actor principal, Christopher Smith (“Triangle”, 2009), Johannes Roberts (“F”, 2010) e Paul Andrew Williams (“Cherry Tree Lane”, 2010), aos quais se Alan Jones, autor, crítico e especialista em cinema de terror, e membro do júri do Prémio MOTELx 2010.
O destaque vai para a sessão de perguntas e respostas com o convidado principal do festival, George A. Romero, que decorrerá no último dia às 16:30. Razões de sobra para ir – como diz o ‘slogan’ do festival – “onde o terror é bem-vindo”. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]

MOTELx 2010
Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa
Cinema São Jorge, Lisboa.
De 29 de Setembro a 3 de Outubro.
http://www.motelx.org

REGRESSO AO TERROR

Antes de “Até ao Inferno” começar, há um aviso de que vamos viajar no tempo. O logótipo da Universal é antigo e, pelo que confirmei numa pesquisa rápida, contemporâneo dos primeiros filmes da série “Evil Dead”, nos anos 80 do século passado. Um sinal do regresso de Sam Raimi aos filmes de terror que o celebrizaram.

Bem sei que os chamados filmes de terror preenchem um género que, apesar de ser de culto para muitos cinéfilos, está longe de ser do agrado da maioria. No meu caso, durante a adolescência era um ávido consumidor deste tipo de cinema, algo na moda na altura. Se por um lado havia os considerados filmes de terror “a sério”, cujo expoente máximo era uma das obras magistrais de Stanley Kubrick, “The Shining” (1980), por outro havia os de terror-comédia, no qual se enquadravam este primeiros sucessos de Raimi. E como me divertia com os meus amigos a ver estes filmes! Louvávamos a inventividade deste realizador norte-americano em pormenores marcantes como a sangrenta moto-serra de “Evil Dead II” (1987) ou Ash de caçadeira em punho em plena Idade Média, no delirante “Army of Darkness” (1992).

Foi exactamente após este “Exército das Trevas” que Raimi escreveu, em conjunto com o seu irmão Ivan, este filme que ficaria adiado durante muito tempo. Pelo meio, foi realizador, argumentista, actor e produtor, trabalhando não só em cinema, mas também em séries televisivas e jogos de vídeo. Subiu ao cume do sucesso com a trilogia “Homem-Aranha” (2002, 2004 e 2007) e agora voltou às origens.

Desta vez conta-nos a história de uma analista de crédito que, pressionada pelo chefe e motivada pela progressão na carreira, recusa mais um adiamento a uma velha cigana. A mulher, que cumpre todos os requisitos de bruxa feia, ataca-a e roga-lhe uma praga. A partir daí, a vida perfeita de Christine Brown (Alison Lohman) começa a desmoronar-se. No trabalho, na sua relação com um jovem professor universitário, no seu dia-a-dia, começa a ser atormentada por um espírito maligno que a quer arrastar para o Inferno e, para tentar escapar, Christine vai perder os escrúpulos.

Como não podia deixar de ser, estão reunidos todos os ingredientes para um filme de terror convencional, onde iremos cruzar-nos com um parapsicólogo indiano, uma médium hispânica, um demónio assustador e assistir às imprescindíveis cenas nojentas, que incluem vómitos, vermes, cadáveres, sangue, etc. Nota para as cenas com as moscas; simples, mas eficazes.

Esta verdadeira visita ao passado, com sabor a recompensa para os primeiros fãs de Sam Raimi, resulta numa boa película que merece uma ida ao cinema. Os entusiastas deste género descobrirão ainda uma série de elementos dos trabalhos iniciais do realizador. Um jogo engraçado de memória cinematográfica. Um filme divertido que não surpreende, mas também não desilude, nem no final. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]


ATÉ AO INFERNO
Título original: Drag me to Hell
Realização: Sam Raimi
Com: Alison Lohman, Justin Long, Lorna Raver, Dileep Rao, David Paymer
EUA, 2009, 99 min.
Estreia em Portugal: 9 de Setembro de 2010.
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A OUTRA GUERRA

Quando pensamos num filme de guerra norte-americano actual, lembramo-nos automaticamente do Iraque, o conflito que o presidente Obama decretou terminado deixando lá 50 mil soldados. Mas a construção na Nova Ordem Mundial implica várias frentes, como aquela onde no passado penaram ingleses e soviéticos e para onde o mesmo Obama enviou um contingente de reforço de 40 mil soldados no início do seu mandato. A outra guerra está a tornar-se a principal e a chegar ao cinema, como não podia deixar de ser.

É exactamente para esse teatro de guerra que, neste filme, é enviado o Capitão Sam Cahill (Tobey MacGuire) para uma segunda comissão. Já no Afeganistão, o helicóptero onde seguia é abatido e ele é dado como morto. A trágica notícia vai abalar a retaguarda caseira. Sam é casado, tem duas filhas e é o filho preferido. O seu irmão Tommy (Jake Gyllenhaal) é a “ovelha negra” da família, que ainda por cima acabou de sair da prisão. A tensão cresce e as coisas não são, obviamente, fáceis. No entanto, a vida continua e por vezes altera-se como não imaginamos. Tommy, antes bêbado e irresponsável, começa a aproximar-se das sobrinhas e da cunhada e até mesmo do pai que o despreza.

Mas, mais uma vez, todo este ambiente vai sofrer um tremendo safanão. Sam Cahill não morreu. Conseguiu sobreviver a um doloroso cativeiro de torturas e privações impostas pelos taliban devido a uma terrível acção. Quando por fim regressa a casa, em clara e natural situação de ‘stress’ pós-traumático, o regresso ao seu lar perfeito vai ser demasiado difícil.

Depressão, agressividade, ciúme, suspeição, dúvida e violência. Estão criadas as condições para um drama intenso e é o que acontece, com Jim Sheridan ao leme, a responder à altura. Este realizador irlandês, que se notabilizou com o excelente “Em Nome do Pai” (1993), consegue captar com segurança o desempenho dos actores, no qual assenta o filme. Este não é um clássico nem uma revelação, mas Sheridan oferece-nos uma obra bem construída e honesta, neste ‘remake’ do dinamarquês “Irmãos” (2004), realizado por Susanne Bier.

As actuações têm nota positiva, no geral, com destaque para o trio Natalie Portman, à vontade no papel da mulher de Sam, Jake Gyllenhaal, muito bem como o irmão que começa a entrar numa esfera familiar que não era a sua, e Tobey MacGuire, seguro e confiante, a tentar deixar para trás a inevitável colagem ao “Homem-Aranha”. Referência positiva também para Sam Shepard, no papel de Hank Cahill, o pai dos dois irmãos.

Um bom filme sobre os traumas da guerra e a forma como estes afectam necessariamente a estabilidade da vida familiar, onde uma relação fraterna de confiança é seriamente abalada. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



ENTRE IRMÃOS
Título original: Brothers
Realização: Jim Sheridan
Com: Jake Gyllenhaal, Natalie Portman, Tobey Maguire, Clifton Collins Jr., Bailee Madison, Sam Shepard, Mare Winningham
EUA, 2009, 105 min.
Estreia em Portugal: 2 de Setembro de 2010.
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O Pequeno Hoplita


Na minha recente ida a Espanha, gostei de ver que o meu filho descobriu, por si, numa visita à Casa del Libro, um livro que eu havia visto na internet e me despertara a curiosidade. Comprei-o, claro. Trata-se de "El Pequeño Hoplita", publicado pela Alfaguara, da autoria de Arturo Pérez-Reverte e com ilustrações de Fernando Vicente. Esta excelente história, que nos leva às Termópilas e aos 3oo de Esparta, está magnificamente ilustrada. Uma óptima forma de transmitir aos mais novos um dos acontecimentos mais importantes da História da Europa e os valores a este inerentes. Para quando uma edição portuguesa?

Abaixo deixo algumas das ilustrações disponíveis no blog de Fernando Vicente.


A CAIXA

Richard Kelly estreou-se em grande como realizador com “Donnie Darko” (2001) e é natural que a sua primeira obra – que é também a sua obra-prima – seja usada como termo de comparação para os trabalhos seguintes. Assim, este seu filme fica muito aquém do desejado, apesar de ser interessante. Estará o talento de Kelly confinado ao seu golpe de génio inicial? O futuro o dirá, mas espera-se sinceramente que não.

“Presente de morte” (adiante falarei desta tradução) conta-nos a história de um típico casal suburbano norte-americano. Ela é professora e ele é engenheiro na NASA, têm uma vida aparentemente normal até que num período de dificuldades laborais inesperadas são confrontados com uma estranha proposta. Arlington Steward (Frank Langella), um homem misterioso, com a cara deformada e extremamente educado e formal, oferece-lhes um milhão de dólares se carregarem no botão da caixa que lhes deixa durante 24 horas, o tempo para decidirem. Mas a decisão está longe de ser fácil, já que Arlington lhes diz que ao ser pressionado o botão morrerá uma pessoa que eles não conhecem. Obviamente, este dilema moral provoca grandes alterações na vida familiar do casal Lewis. Algo entre o recorrente pensamento “e se ganhássemos a lotaria?” e o desprezo pela vida de quem não se conhece.

Outro aspecto bastante interessante é o filme passar-se nos anos 70 do século passado. Apesar do seu tema intemporal, esta opção resulta muito bem. O ambiente está fielmente recriado e por vezes traz-nos à memória os filmes de terror dessa altura – finais de 70 início de 80.

Há um diálogo memorável em que Arlington Steward, quando questionado sobre o porquê do objecto ser uma caixa, responde que a nossa casa é uma caixa, o nosso carro é uma caixa com rodas, e em casa olhamos para uma caixa que vai desgastando a nossa alma até que a caixa que é o nosso corpo morre, para acabar na última caixa. E se repeti na frase anterior sete vezes a palavra “caixa” é porque esse seria o título óbvio para este filme. Bastava fazer uma tradução directa e mantinha o seu carácter enigmático. Mas não, foi preferida uma tradução livre – que neste caso foi mesmo a liberdade para traduzir para o que se quer – que aponta para um filme de terror e desvenda em parte a história.

Nos desempenhos, o destaque vai sem sombra de dúvidas para o excelente Frank Langella. Cameron Diaz cumpre, estando à altura do exigido, e James Marsden desilude numa fraca interpretação. Outra nota negativa para a estreia tardia, numa altura em que há estreias simultâneas é incompreensível que filmes como este cheguem às salas nacionais um ano depois da sua ‘première’ norte-americana.

Apesar do seu início interessante e das imensas possibilidades, o confuso e exagerado ‘twist’ ficção científica com pitadas de terror não resulta no grande filme que este podia ser. Voltando ao princípio, esperemos o regresso do génio de “Darko”. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



PRESENTE DE MORTE
Título original: The Box
Realização: Peter Kelly
Com: Cameron Diaz, Frank Langella, Gillian Jacobs, James Marsden, James Rebhorn
EUA, 2009, 115 min.
Estreia em Portugal: 26 de Agosto de 2010.
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UM REGRESSO À GUERRA FRIA

No início deste Verão, as notícias dos agentes secretos russos descobertos e acusados nos EUA trouxeram recordações da Guerra Fria. Coincidência cinematográfica, é o que faz “Salt”, realizado pelo australiano Phillip Noyce, que se tornou conhecido com “Calma de Morte” (1986), onde volta a reencontrar Angelina Jolie, depois de “O Colccionador de Ossos” (1999).

Esta actriz, que no género dos filmes de acção é difícil de dissociar da personagem de vídeo-jogo Lara Croft, trazida ao cinema na série “Tomb Raider” (2001 e 2003), não é propriamente uma das minhas actrizes de eleição. No entanto, depois de saber que o papel principal de “Salt” estava originalmente previsto para Tom Cruise, devo dizer que Angelina Jolie acabou por salvar este filme do desastre total.

Nem começa mal. Evelyn Salt é uma agente da CIA que é acusada por um dissidente russo de ser uma agente adormecida. Segundo as suas revelações, ela pertence a um grupo de crianças que foram treinadas numa base secreta na antiga União Soviética e depois introduzidas nos EUA para chegarem a lugares de destaque dentro da estrutura do poder para utilizações futuras. A sua missão: assassinar o presidente russo durante o funeral do recém-falecido vice-presidente norte-americano. O objectivo: reacender a Guerra Fria entre os EUA e a Rússia.

Ela vai escapar-se espectacularmente da sede da CIA e, a partir daí, a acção frenética não pára mais. De início, a destreza, eficácia e segurança de Salt fazem-nos lembrar um Bourne feminino, com qualquer coisa de MacGyver. É implacável, impiedosa e inventiva. Mas também é inverosímil, sem bem que neste género os limites ultrapassam-se muitas vezes, para gáudio do público. Conta, ainda assim, com alguns pormenores inovadores, como a cena em que Salt, refugiando-se durante uma perseguição numa casa de banho pública, cola um penso higiénico na perna para estancar uma ferida, ou quando movimenta a carrinha numa fuga dando choques eléctricos com um ‘taser’ à condutora.

O que se segue é que desilude. Girando à volta da protagonista, as restantes personagens são demasiado superficiais, quando não vazias. O cúmulo é mesmo o marido de Salt, posto à pressão para dar uma das explicações da história. O próprio enredo deixa a desejar com uma exagerada sucessão de pseudo-revelações anunciadas. Os diálogos são pobres e sempre na turbulência da agitação permanente.

É mesmo pena que não se tenha ido mais além na recuperação de um tema bem interessante como este. Mas enfim, há quem goste da acção pela acção, como uma pastilha elástica que se mastiga e mastiga e nunca se chega a comer nada. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



SALT
Título original: Salt
Realização: Phillip Noyce
Com: Angelina Jolie, Liev Schreiber, Chiwetel Ejiofor, Daniel Olbrychski, August Diehl, Daniel Pearce, Andre Braugher
EUA, 2010, 100 min.
Estreia em Portugal: 19 de Agosto de 2010.
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