Uma história americana

Os americanos adoram histórias inspiradoras, enternecedoras e bastante cor-de-rosa. De preferência sobre situações fora do comum onde, contra todas as expectativas, tudo corre extraordinariamente bem. Lições de vida prontas a servir de exemplo prático do sonho americano. É isso que é “Um Sonho Possível”. É uma história americana, mais concretamente da América conservadora dos estados do Sul.

Parece outra historieta inverosímil, até mesmo fantasiosa, mas não. O filme é baseado no livro “The Blind Side: Evolution of a Game”, escrito pelo jornalista Michael Lewis, que conta a história real da família Tuohy que adoptou, caridosa e cristãmente, um jovem negro de 16 anos que nunca conheceu o pai e foi retirado muito novo à sua mãe toxicodependente. Apoiando-o nos estudos feitos num colégio privado e iniciando-o no futebol americano, levaram-no a uma bolsa de estudo desportiva universitária que lhe proporcionou a entrada como nova estrela numa equipa da National Football League.

Michael Oher (Quinton Aaron) é um gigante simpático que tem como característica fundamental o instinto protector. Vai enfrentando com dificuldade o mundo tão diferente onde é inserido pelos Tuohy mas, reconhecido pelo seu gesto, descobre neles a sua nova família.

Sandra Bullock representa muito bem neste trabalho que lhe garantiu o almejado Óscar, num papel que veste como se fosse um fato à medida. No entanto, está muito acima dos restantes, fazendo com que o filme gire à sua volta. A sua personagem é uma mulher de força: um verdadeiro tufão no feminino. Republicana, cristã, membro da National Rifle Association e uma das figuras da classe rica de Memphis, Leigh Anne Tuohy é activa, decidida e sem papas na língua. Sempre de resposta pronta, com carregado sotaque sulista, enfrenta “gangsters” negros, professores, “rednecks”, entre outros, na defesa do seu novo menino.

Como não podia deixar de ser, “Um Sonho Possível” foi criticado por alguns como tempo de antena do partido republicano e por outros considerado paternalista por passar a imagem da necessidade da ajuda dos brancos aos negros que, ainda por cima, apenas vingam no desporto. Críticas à parte, este filme mostra-nos uma América sulista onde, longe das leis de segregação e das tensões raciais de outros tempos, continuam a existir dois mundos separados, mesmo apesar da discriminação positiva e políticas afins.

Suscitando alguma curiosidade, não passa de um filme ligeiro, realizado sem qualquer surpresa ou novidade e muito (demasiado) americano. Das tiradas cómicas, há uma que me ficou na cabeça. Quando Sean Tuohy observa o seu novo filho a estudar com a recém-contratada explicadora, diz para a sua mulher: “Quem diria que teríamos um filho negro antes de conhecermos uma democrata?” [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



UM SONHO POSSÍVEL
Título original: The Blind Side
Realização: John Lee Hancock
Com: Sandra Bullock, Tim McGraw, Quinton Aaron, Jae Head, Lily Collins, Ray McKinnon, Kathy Bates
EUA, 2009, 129 min.
Estreia em Portugal: 25 de Março de 2010.
**

1 comentário:

  1. Depois de "All About Steve" tive receio de ver este, embora seja a minha actriz favorita.

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