O conflito israelo-árabe, concretamente a forma como foram submetidos os palestinos, é um assunto quase sempre tratado com grande alarido e exaltação, marcado por convicções extremadas normalmente sem lugar a ironias. Elia Suleiman opta pelo contrário e, no seu registo habitual, projecta a tensão israelo-palestina numa comédia trágica.
“O Tempo que Resta” vem fechar a trilogia palestina iniciada com “Crónica de um Desaparecimento” (1996) e “Intervenção Divina” (2002), com um percurso semi-autobiográfico do realizador, que é também actor e narrador. O filme foi nomeado para a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, em 2009, sendo premiado no festival argentino de Mar del Plata no mesmo ano, altura em que foi exibido entre nós pela primeira vez no DocLisboa.
A história começa por transportar-nos para 1948, na altura em que as tropas israelitas ocuparam Nazaré. O pai de Suleiman vive aqueles tempos conturbados e, através dele e da sua família, apercebemo-nos da alteração profunda que esta ocupação provocou. A partir desse choque inicial, acompanhamos a vida daqueles árabes israelitas que vivem num mundo dirigido e controlado por judeus até aos nossos dias. Vemos os que não querem resistir e os que resistem passivamente, os que se submetem e os que continuam enfrentar a tensão permanente, tudo através de um mosaico de episódios do dia-a-dia, onde não faltam vizinhos loucos e outras peripécias.
Não vemos grandes batalhas, nem grandes discursos. Aqui reinam os pormenores, as pequenas coisas, as situações caricatas, que mesmo em alturas como esta acontecem. Há planos prolongados, de uma melancolia contemplativa, e os diálogos são poucos, talvez porque o diálogo nesta tensão seja muito difícil.
O estilo de Suleiman recorda facilmente Buster Keaton e Jacques Tati, mas o realizador disse por várias vezes que não o influenciaram, já que não lhes conhecia a obra quando começou a filmar. Seja como for, o humor negro (bem) conseguido pelo absurdo e o burlesco oferecem uma experiência que vale a pena.
E qual será a mensagem deste filme? Tudo parece indicar, até pelo próprio título, que se trata da dúvida sobre o que fazer, ou o que se passará, no tempo que ainda temos. A ser assim, como interpretar a cena no final onde vemos adolescentes vestidos como se pertencessem a um gangue norte-americano, ao som de uma versão “techno” de “Stayin’ Alive”? Talvez o “nonsense” não esteja apenas no filme, mas também cá fora – na realidade.
Elia Suleiman fez um filme pessoal – seu – para todos, mas que não deixa de ser um filme pelos seus. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
O TEMPO QUE RESTA
Título original: The Time That Remains /Le temps qu’il Reste
Realização: Elia Suleiman
Com: Elia Suleiman, Saleh Bakri, Leila Muammar, Yasmine Haj, Tarek Qubti
França/Bélgica/Itália, 2010, 109 min.
Estreia em Portugal: 15 de Abril de 2010.
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