A norma do caos

Há muito de autobiográfico em “O Pintor de Batalhas”. Neste romance que é uma reflexão profunda e intensa, Arturo Pérez-Reverte conta a história de André Faulques, um fotógrafo de guerra que se refugiou numa torre de vigia do século XVIII à beira do Mediterrâneo, onde, solitário, pinta um grande fresco na sua parede. A troca da câmara fotográfica pelos pincéis tem uma razão, que é o mote deste livro: “Se, como defendiam os teóricos da arte, a fotografia recordava à pintura o que esta nunca devia fazer, Faulques tinha a certeza de que o seu trabalho na torre recordava à fotografia o que esta era capaz de sugerir, mas não de conseguir: a vasta visão circular, contínua, do xadrez caótico, regra implacável que governava o acaso perverso a ambiguidade do que governava o quê não era em absoluto casual do mundo e da vida. Aquele ponto de vista confirmava o carácter geométrico dessa perversidade, a norma do caos (...)”.

Faulques é visitado por um homem que o informa prontamente que o quer matar. Trata-se de Ivo Markovic, fotografado pelo pintor de batalhas durante a guerra da ex-Jugoslávia, que antes de concretizar o seu intento deseja que ele “compreenda algumas coisas”. Inicia-se, assim, uma longa conversa entre ambos. Esta visita inesperada é um regresso do seu passado, fá-lo voltar à guerra e à memória de um amor nunca esquecido, numa verdadeira viagem interior, ao mesmo tempo que fala sobre arte e sobre a sua pintura. Num desses diálogos, sobre pintores considerados mestres, há uma passagem muito interessante, onde Markovic diz: “(...) Picasso também pintou um quadro de guerra. Guernica, chama-se. Embora, na realidade, ninguém diria que é um quadro de guerra. Pelo menos, não como este. Não é verdade?” Ao que Faulques responde, implacável, “Picasso nunca viu uma guerra na vida.

Para quem já gostava de Pérez-Reverte, como eu, este livro é a melhor confirmação do talento deste escritor espanhol. Para os que ainda o desconhecem é, com certeza, uma descoberta fantástica.

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