FANTÁSTICA LUSITÂNIA

“Fantasia Lusitana” abriu o último IndieLisboa e causou alguma sensação. Este documentário, que utiliza material dos anos 40 na sua maioria da autoria de António Lopes Ribeiro, mostra como era retratada vida no nosso país durante a Segunda Guerra Mundial, com a paz da neutralidade e o trânsito dos refugiados em fuga. Em “off” podemos ouvir discursos de Salazar e a leitura dos testemunhos, escritos na altura, de Alfred Döblin, Erika Mann (filha de Thomas Mann) e Saint-Exupéry.

O objectivo do filme é atacar o Estado Novo através da sua própria propaganda, mostrando o “ridículo” e a “fantasia” – como o título indica – de um Portugal neutral salvo da guerra pelo seu “messias”. A questão da nossa neutralidade está longe de se confinar a esse período histórico. Ocorre-me prontamente outro que também parece de fantasia, os jogos diplomáticos de D. João VI, com franceses e ingleses, que culminou na transferência de uma capital europeia para o Brasil. A nossa História tem realmente coisas fantásticas.

Por falar em fantasia, não posso deixar de referir que vi o filme na única sala que o projecta em Lisboa e que tem a particularidade de ter as paredes decoradas com personagens da Disney e as cadeiras estampadas com a cara do Rato Mickey. Para tornar a experiência ainda mais “fantástica”, dois lugares à minha direita, um sujeito mascava pipocas de boca aberta…

Voltando ao filme, apesar das intenções, devo dizer que parece um daqueles álbuns sobre a Mocidade Portuguesa, bastante ilustrados e que foram sucessos de venda: um verdadeiro deleite gráfico. Uma oportunidade para ver imagens deste período, onde se destacam as da Exposição do Mundo Português. Sobre a “fantasia” podemos considerar que é a da época. Há que dizer que, nos mesmos termos, era possível fazer uma “fantasia americana”, “cubana”, ou mesmo uma “fantasia socrática”, com o actual primeiro-ministro de computador Magalhães em punho.

Foi por isso que gostei e a classificação tem a seguinte explicação: uma estrela pelo trabalho técnico e de montagem; outra pela ausência de um narrador politicamente correcto a “explicar” os perigos do “fascismo”; e, por fim, uma pela pesquisa que trouxe a público estas imagens de arquivo.

Sobre o património sonoro, por exemplo, o realizador disse numa entrevista que grande parte se havia perdido, incluindo as gravações das crónicas de Fernando Pessa, das quais utilizou a única existente. Mesmo os discursos de Salazar, segundo ele, foram retirados de um site salazarista na internet. Sinal dos tempos?

Que exemplos como este sirvam para lembrar a necessidade da preservação da memória, mesmo de períodos que a alguns parecem ridículos. Principalmente em alturas como hoje, onde perante a falta de um projecto nacional – esteja este certo ou errado –, se navega à vista, sendo por isso ainda mais necessário saber de onde viemos. A bem da Nação... [publicado na secção CineMais da edição desta de «O Diabo»]




FANTASIA LUSITANA
Realização: João Canijo
POR, 2010, 65 min.
Estreia em Portugal: 29 de Abril de 2010.
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