Esqueçam os filmes de Verão, em especial aqueles ligeiros e prontos-a-digerir tão ao gosto norte-americano. Com estreias de fugir, é melhor regressar a uma das boas surpresas em cartaz vindas do nosso continente, a mostrar a qualidade e originalidade do cinema europeu.
Da janela do seu apartamento vazio em Amesterdão, ela observa os transeuntes a vasculharem o recheio da casa deixado na rua. De seguida, tira a aliança e assim começa uma viagem a pé e à boleia, de mochila às costas, até à costa da chuvosa e ventosa Irlanda. Este é o início de “Nada pessoal”, filme apresentado pela primeira vez no Festival de Cinema de Locarno do ano passado, assinado por Urszula Antoniak, que escreve e realiza, na sua estreia nas longas-metragens.
Nesta história, vemos como no seu percurso, aparentemente errático, esta rapariga que parece querer desligar-se do mundo, não falando com ninguém e evitando mesmo qualquer contacto, encontra um homem que vive sozinho numa quinta. O semi-eremita oferece-lhe comida a troco de trabalho na sua propriedade isolada. Ela decide ficar, mediante um pacto de silêncio, iniciando uma relação que o filme, bem dividido, nos mostra em capítulos que não nos levam aos lugares-comuns das histórias de amor. Um trabalho notável sobre a forma como as pessoas se relacionam e se procuram conhecer à medida que a curiosidade um pelo outro aumenta. Uma óptima prestação de uma dupla de actores que não precisa de nada mais que o seu talento e entrega para nos oferecer uma representação sincera e poderosa.
Os campos verdes da Irlanda, as suas praias pedregosas e os seus rochedos escarpados proporcionam uma fotografia maravilhosa, que é bem aproveitada para mostrar as paisagens físicas das terras gaélicas onde a Natureza mostra a sua força. Estas cruzam-se com as paisagens humanas, como a da tez alva polvilhada de sardas e os cabelos ruivos da holandesa Lotte Verbeek, com os seus olhos azuis-esverdeados que parecem reflectir o mar, e as mãos sulcadas pelos anos e pelo trabalho do irlandês Stephen Rea. A temperar tudo isto temos momentos de música tradicional irlandesa, num registo popular, mas também de ópera, num registo erudito. No seu conjunto, todos estes elementos constituem uma paisagem europeia, das suas terras e das suas gentes, da sua cultura e do seu mistério.
Na era do consumismo desenfreado e do bombardeamento mediático, há uma sensação de liberdade ao observar a vida neste recanto, onde o dia é ocupado normalmente com o trabalho da casa e do campo e as pausas com as refeições e a leitura. Não há televisão e é um velho rádio que dá música e por vezes notícias, em som de fundo. O conforto não está no excesso e no comodismo, mas na justa recompensa do esforço diário e no conhecimento da terra e do seu equilíbrio.
Esta é uma viagem – não no sentido de turismo, mas de aventura – não nos deixa indiferentes. Até o enigmático final mantém a questão mais importante levantada durante o filme: “Quem és tu?” [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
NADA PESSOAL
Título original: Nothing personal
Realização: Urszula Antoniak
Com: Stephen Rea, Lotte Verbeek
IRE/HOL, 2009, 85 min.
Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2010.
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