Jia Zhangke é um realizador chinês que não é desconhecido de todo. Os seus filmes, alguns documentários, têm servido de montra às profundas alterações da realidade do seu populoso país. Em especial da forma como a globalização tem afectado esta nação asiática que se tornou o grande produtor do mundo.
A estreia deste filme entre nós tem uma particularidade que é a de ter passado primeiro nos canais televisivos por cabo TVCine, antes de chegar finalmente às salas de cinema. Sinal dos tempos? É exactamente esse sinal que nos transmite “24 City”. A sua pulsação mostra-nos como o gigante chinês está a mudar e a grande velocidade.
Esta é a história da Fábrica 420, em Chengdu, um monstro produtivo que fabricava aviões de combate e seus componentes e era propriedade do Estado, como não podia deixar de ser neste país comunista. Com o fim do esforço de guerra, a fábrica e toda a vida que circulava à sua volta alterou-se radicalmente. Tal coincidiu com a chamada “abertura” chinesa, quer isto dizer, com a entrada da China no mercado globalizado, com os seus produtos baratos e de baixa qualidade.
Podemos dizer que este filme é um semi-documentário. Filmado totalmente em digital, conta a história através de relatos dos que viveram essa transformação. Alguns verdadeiros, outros encenados, mas todos muito bem filmados, com planos demorados, que analisam as expressões e nos levam a pensar toda uma mudança de fundo.
Estas histórias pessoais, que se confundem e misturam com a da própria fábrica, vão desde o saudosismo de um tempo passado, à adaptação a uma nova forma de vida, passando por desgostos – ou desconfortos – amorosos.
A primeira história dentro desta história é a de um operário que recorda com saudade e respeito o seu mestre Wang, que lhe havia passado o salutar princípio da poupança dos materiais e da recusa do desperdício, sempre guiados por uma total dedicação ao trabalho. A última é a de uma mulher que, apesar de não ter aptidão para os estudos, como ela própria diz, consegue vingar na nova realidade comprando coisas para uma classe mais abastada. Os seus rendimentos são bastante elevados, algo reconhecido pelo próprio realizador quando a entrevista. No entanto, depois de nos apresentar feliz uma imagem de sucesso, reconhece que a entristece a precária situação dos pais. Na sua família vemos, como que ao microscópio, a mensagem do filme – o contraste. Passeando o seu Volkswagen Beetle numa paisagem onde observamos trabalhadores rurais, esta rapariga mostra o choque da China hodierna.
A antiga fábrica está a ser desmantelada ao mesmo tempo que vamos ouvindo os testemunhos em primeira mão. Longe vai o espírito da pátria grandiosa que glorifica o combate. Agora o êxito pessoal está nos bens materiais e no consumismo. No local onde antes se produziam máquinas de guerra em nome do povo, está a ser erigido um complexo de apartamentos de luxo, que será vendido a preços proibitivos, acessíveis apenas aos bem sucedidos da nova era. A 24 City que dá nome ao filme. Esta é, agora, a nova forma de afirmação social.
Esta postura e estes comportamentos lembram-nos alguma coisa? Sem dúvida. A diferença é que nós, que vemos no teatro chinês como se passa do comunismo ao capitalismo – como se alterna entre um gémeo e outro – começamos a questionar todo um modelo que constantemente nos é apresentado como inevitável e, por isso, indiscutível – a mundialização. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
24 CITY
Título original: 24 City
Realização: Jia Zhang-ke
Com: Joan Chen, Lu Liping, Zhao Tao, Chen Jian Bin
CHI/HK/JAP, 2008, 112 min.
Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2010.
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