A CAIXA

Richard Kelly estreou-se em grande como realizador com “Donnie Darko” (2001) e é natural que a sua primeira obra – que é também a sua obra-prima – seja usada como termo de comparação para os trabalhos seguintes. Assim, este seu filme fica muito aquém do desejado, apesar de ser interessante. Estará o talento de Kelly confinado ao seu golpe de génio inicial? O futuro o dirá, mas espera-se sinceramente que não.

“Presente de morte” (adiante falarei desta tradução) conta-nos a história de um típico casal suburbano norte-americano. Ela é professora e ele é engenheiro na NASA, têm uma vida aparentemente normal até que num período de dificuldades laborais inesperadas são confrontados com uma estranha proposta. Arlington Steward (Frank Langella), um homem misterioso, com a cara deformada e extremamente educado e formal, oferece-lhes um milhão de dólares se carregarem no botão da caixa que lhes deixa durante 24 horas, o tempo para decidirem. Mas a decisão está longe de ser fácil, já que Arlington lhes diz que ao ser pressionado o botão morrerá uma pessoa que eles não conhecem. Obviamente, este dilema moral provoca grandes alterações na vida familiar do casal Lewis. Algo entre o recorrente pensamento “e se ganhássemos a lotaria?” e o desprezo pela vida de quem não se conhece.

Outro aspecto bastante interessante é o filme passar-se nos anos 70 do século passado. Apesar do seu tema intemporal, esta opção resulta muito bem. O ambiente está fielmente recriado e por vezes traz-nos à memória os filmes de terror dessa altura – finais de 70 início de 80.

Há um diálogo memorável em que Arlington Steward, quando questionado sobre o porquê do objecto ser uma caixa, responde que a nossa casa é uma caixa, o nosso carro é uma caixa com rodas, e em casa olhamos para uma caixa que vai desgastando a nossa alma até que a caixa que é o nosso corpo morre, para acabar na última caixa. E se repeti na frase anterior sete vezes a palavra “caixa” é porque esse seria o título óbvio para este filme. Bastava fazer uma tradução directa e mantinha o seu carácter enigmático. Mas não, foi preferida uma tradução livre – que neste caso foi mesmo a liberdade para traduzir para o que se quer – que aponta para um filme de terror e desvenda em parte a história.

Nos desempenhos, o destaque vai sem sombra de dúvidas para o excelente Frank Langella. Cameron Diaz cumpre, estando à altura do exigido, e James Marsden desilude numa fraca interpretação. Outra nota negativa para a estreia tardia, numa altura em que há estreias simultâneas é incompreensível que filmes como este cheguem às salas nacionais um ano depois da sua ‘première’ norte-americana.

Apesar do seu início interessante e das imensas possibilidades, o confuso e exagerado ‘twist’ ficção científica com pitadas de terror não resulta no grande filme que este podia ser. Voltando ao princípio, esperemos o regresso do génio de “Darko”. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



PRESENTE DE MORTE
Título original: The Box
Realização: Peter Kelly
Com: Cameron Diaz, Frank Langella, Gillian Jacobs, James Marsden, James Rebhorn
EUA, 2009, 115 min.
Estreia em Portugal: 26 de Agosto de 2010.
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