UM REGRESSO À GUERRA FRIA

No início deste Verão, as notícias dos agentes secretos russos descobertos e acusados nos EUA trouxeram recordações da Guerra Fria. Coincidência cinematográfica, é o que faz “Salt”, realizado pelo australiano Phillip Noyce, que se tornou conhecido com “Calma de Morte” (1986), onde volta a reencontrar Angelina Jolie, depois de “O Colccionador de Ossos” (1999).

Esta actriz, que no género dos filmes de acção é difícil de dissociar da personagem de vídeo-jogo Lara Croft, trazida ao cinema na série “Tomb Raider” (2001 e 2003), não é propriamente uma das minhas actrizes de eleição. No entanto, depois de saber que o papel principal de “Salt” estava originalmente previsto para Tom Cruise, devo dizer que Angelina Jolie acabou por salvar este filme do desastre total.

Nem começa mal. Evelyn Salt é uma agente da CIA que é acusada por um dissidente russo de ser uma agente adormecida. Segundo as suas revelações, ela pertence a um grupo de crianças que foram treinadas numa base secreta na antiga União Soviética e depois introduzidas nos EUA para chegarem a lugares de destaque dentro da estrutura do poder para utilizações futuras. A sua missão: assassinar o presidente russo durante o funeral do recém-falecido vice-presidente norte-americano. O objectivo: reacender a Guerra Fria entre os EUA e a Rússia.

Ela vai escapar-se espectacularmente da sede da CIA e, a partir daí, a acção frenética não pára mais. De início, a destreza, eficácia e segurança de Salt fazem-nos lembrar um Bourne feminino, com qualquer coisa de MacGyver. É implacável, impiedosa e inventiva. Mas também é inverosímil, sem bem que neste género os limites ultrapassam-se muitas vezes, para gáudio do público. Conta, ainda assim, com alguns pormenores inovadores, como a cena em que Salt, refugiando-se durante uma perseguição numa casa de banho pública, cola um penso higiénico na perna para estancar uma ferida, ou quando movimenta a carrinha numa fuga dando choques eléctricos com um ‘taser’ à condutora.

O que se segue é que desilude. Girando à volta da protagonista, as restantes personagens são demasiado superficiais, quando não vazias. O cúmulo é mesmo o marido de Salt, posto à pressão para dar uma das explicações da história. O próprio enredo deixa a desejar com uma exagerada sucessão de pseudo-revelações anunciadas. Os diálogos são pobres e sempre na turbulência da agitação permanente.

É mesmo pena que não se tenha ido mais além na recuperação de um tema bem interessante como este. Mas enfim, há quem goste da acção pela acção, como uma pastilha elástica que se mastiga e mastiga e nunca se chega a comer nada. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



SALT
Título original: Salt
Realização: Phillip Noyce
Com: Angelina Jolie, Liev Schreiber, Chiwetel Ejiofor, Daniel Olbrychski, August Diehl, Daniel Pearce, Andre Braugher
EUA, 2010, 100 min.
Estreia em Portugal: 19 de Agosto de 2010.
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