Jia Zhangke é um realizador chinês que não é desconhecido de todo. Os seus filmes, alguns documentários, têm servido de montra às profundas alterações da realidade do seu populoso país. Em especial da forma como a globalização tem afectado esta nação asiática que se tornou o grande produtor do mundo.
A estreia deste filme entre nós tem uma particularidade que é a de ter passado primeiro nos canais televisivos por cabo TVCine, antes de chegar finalmente às salas de cinema. Sinal dos tempos? É exactamente esse sinal que nos transmite “24 City”. A sua pulsação mostra-nos como o gigante chinês está a mudar e a grande velocidade.
Esta é a história da Fábrica 420, em Chengdu, um monstro produtivo que fabricava aviões de combate e seus componentes e era propriedade do Estado, como não podia deixar de ser neste país comunista. Com o fim do esforço de guerra, a fábrica e toda a vida que circulava à sua volta alterou-se radicalmente. Tal coincidiu com a chamada “abertura” chinesa, quer isto dizer, com a entrada da China no mercado globalizado, com os seus produtos baratos e de baixa qualidade.
Podemos dizer que este filme é um semi-documentário. Filmado totalmente em digital, conta a história através de relatos dos que viveram essa transformação. Alguns verdadeiros, outros encenados, mas todos muito bem filmados, com planos demorados, que analisam as expressões e nos levam a pensar toda uma mudança de fundo.
Estas histórias pessoais, que se confundem e misturam com a da própria fábrica, vão desde o saudosismo de um tempo passado, à adaptação a uma nova forma de vida, passando por desgostos – ou desconfortos – amorosos.
A primeira história dentro desta história é a de um operário que recorda com saudade e respeito o seu mestre Wang, que lhe havia passado o salutar princípio da poupança dos materiais e da recusa do desperdício, sempre guiados por uma total dedicação ao trabalho. A última é a de uma mulher que, apesar de não ter aptidão para os estudos, como ela própria diz, consegue vingar na nova realidade comprando coisas para uma classe mais abastada. Os seus rendimentos são bastante elevados, algo reconhecido pelo próprio realizador quando a entrevista. No entanto, depois de nos apresentar feliz uma imagem de sucesso, reconhece que a entristece a precária situação dos pais. Na sua família vemos, como que ao microscópio, a mensagem do filme – o contraste. Passeando o seu Volkswagen Beetle numa paisagem onde observamos trabalhadores rurais, esta rapariga mostra o choque da China hodierna.
A antiga fábrica está a ser desmantelada ao mesmo tempo que vamos ouvindo os testemunhos em primeira mão. Longe vai o espírito da pátria grandiosa que glorifica o combate. Agora o êxito pessoal está nos bens materiais e no consumismo. No local onde antes se produziam máquinas de guerra em nome do povo, está a ser erigido um complexo de apartamentos de luxo, que será vendido a preços proibitivos, acessíveis apenas aos bem sucedidos da nova era. A 24 City que dá nome ao filme. Esta é, agora, a nova forma de afirmação social.
Esta postura e estes comportamentos lembram-nos alguma coisa? Sem dúvida. A diferença é que nós, que vemos no teatro chinês como se passa do comunismo ao capitalismo – como se alterna entre um gémeo e outro – começamos a questionar todo um modelo que constantemente nos é apresentado como inevitável e, por isso, indiscutível – a mundialização. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
24 CITY
Título original: 24 City
Realização: Jia Zhang-ke
Com: Joan Chen, Lu Liping, Zhao Tao, Chen Jian Bin
CHI/HK/JAP, 2008, 112 min.
Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2010.
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Ministra diz: Cinemateca-Porto avança
Em entrevista ao jornal Público de hoje, a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, afirmou que a Cinemateca-Porto vai avançar.
«(...) há também o caso da Cinemateca-Porto. Prometeu ainstalação desse pólo, mas a nova directora da Cinemateca já disse que, para ela, não é uma prioridade. Qual dessas visões antagónicas vai vingar?
Uma coisa é a Maria João Seixas dizer que não considera ser a coisa mais importante a fazer. Outra coisa, que não fez, é comunicar que não irá dar seguimento às prioridades do ministério. Expressou um sentimento íntimo; tem todo o direito. Mas está a envidar todos os esforços para a nossa determinação ser efectivada.
Portanto, a Cinemateca-Porto é para avançar...
Claramente.
Ainda este ano?
Este é um ano atípico, em termos de prazos. Todo o processo de aprovação do orçamento entrou por 2010; os procedimentos estão todos atrasados. Mas no caso da Cinemateca estão a ter seguimento.»
Fonte: Público.
«(...) há também o caso da Cinemateca-Porto. Prometeu ainstalação desse pólo, mas a nova directora da Cinemateca já disse que, para ela, não é uma prioridade. Qual dessas visões antagónicas vai vingar?
Uma coisa é a Maria João Seixas dizer que não considera ser a coisa mais importante a fazer. Outra coisa, que não fez, é comunicar que não irá dar seguimento às prioridades do ministério. Expressou um sentimento íntimo; tem todo o direito. Mas está a envidar todos os esforços para a nossa determinação ser efectivada.
Portanto, a Cinemateca-Porto é para avançar...
Claramente.
Ainda este ano?
Este é um ano atípico, em termos de prazos. Todo o processo de aprovação do orçamento entrou por 2010; os procedimentos estão todos atrasados. Mas no caso da Cinemateca estão a ter seguimento.»
Fonte: Público.
PAISAGEM EUROPEIA
Esqueçam os filmes de Verão, em especial aqueles ligeiros e prontos-a-digerir tão ao gosto norte-americano. Com estreias de fugir, é melhor regressar a uma das boas surpresas em cartaz vindas do nosso continente, a mostrar a qualidade e originalidade do cinema europeu.
Da janela do seu apartamento vazio em Amesterdão, ela observa os transeuntes a vasculharem o recheio da casa deixado na rua. De seguida, tira a aliança e assim começa uma viagem a pé e à boleia, de mochila às costas, até à costa da chuvosa e ventosa Irlanda. Este é o início de “Nada pessoal”, filme apresentado pela primeira vez no Festival de Cinema de Locarno do ano passado, assinado por Urszula Antoniak, que escreve e realiza, na sua estreia nas longas-metragens.
Nesta história, vemos como no seu percurso, aparentemente errático, esta rapariga que parece querer desligar-se do mundo, não falando com ninguém e evitando mesmo qualquer contacto, encontra um homem que vive sozinho numa quinta. O semi-eremita oferece-lhe comida a troco de trabalho na sua propriedade isolada. Ela decide ficar, mediante um pacto de silêncio, iniciando uma relação que o filme, bem dividido, nos mostra em capítulos que não nos levam aos lugares-comuns das histórias de amor. Um trabalho notável sobre a forma como as pessoas se relacionam e se procuram conhecer à medida que a curiosidade um pelo outro aumenta. Uma óptima prestação de uma dupla de actores que não precisa de nada mais que o seu talento e entrega para nos oferecer uma representação sincera e poderosa.
Os campos verdes da Irlanda, as suas praias pedregosas e os seus rochedos escarpados proporcionam uma fotografia maravilhosa, que é bem aproveitada para mostrar as paisagens físicas das terras gaélicas onde a Natureza mostra a sua força. Estas cruzam-se com as paisagens humanas, como a da tez alva polvilhada de sardas e os cabelos ruivos da holandesa Lotte Verbeek, com os seus olhos azuis-esverdeados que parecem reflectir o mar, e as mãos sulcadas pelos anos e pelo trabalho do irlandês Stephen Rea. A temperar tudo isto temos momentos de música tradicional irlandesa, num registo popular, mas também de ópera, num registo erudito. No seu conjunto, todos estes elementos constituem uma paisagem europeia, das suas terras e das suas gentes, da sua cultura e do seu mistério.
Na era do consumismo desenfreado e do bombardeamento mediático, há uma sensação de liberdade ao observar a vida neste recanto, onde o dia é ocupado normalmente com o trabalho da casa e do campo e as pausas com as refeições e a leitura. Não há televisão e é um velho rádio que dá música e por vezes notícias, em som de fundo. O conforto não está no excesso e no comodismo, mas na justa recompensa do esforço diário e no conhecimento da terra e do seu equilíbrio.
Esta é uma viagem – não no sentido de turismo, mas de aventura – não nos deixa indiferentes. Até o enigmático final mantém a questão mais importante levantada durante o filme: “Quem és tu?” [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
NADA PESSOAL
Título original: Nothing personal
Realização: Urszula Antoniak
Com: Stephen Rea, Lotte Verbeek
IRE/HOL, 2009, 85 min.
Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2010.
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Da janela do seu apartamento vazio em Amesterdão, ela observa os transeuntes a vasculharem o recheio da casa deixado na rua. De seguida, tira a aliança e assim começa uma viagem a pé e à boleia, de mochila às costas, até à costa da chuvosa e ventosa Irlanda. Este é o início de “Nada pessoal”, filme apresentado pela primeira vez no Festival de Cinema de Locarno do ano passado, assinado por Urszula Antoniak, que escreve e realiza, na sua estreia nas longas-metragens.
Nesta história, vemos como no seu percurso, aparentemente errático, esta rapariga que parece querer desligar-se do mundo, não falando com ninguém e evitando mesmo qualquer contacto, encontra um homem que vive sozinho numa quinta. O semi-eremita oferece-lhe comida a troco de trabalho na sua propriedade isolada. Ela decide ficar, mediante um pacto de silêncio, iniciando uma relação que o filme, bem dividido, nos mostra em capítulos que não nos levam aos lugares-comuns das histórias de amor. Um trabalho notável sobre a forma como as pessoas se relacionam e se procuram conhecer à medida que a curiosidade um pelo outro aumenta. Uma óptima prestação de uma dupla de actores que não precisa de nada mais que o seu talento e entrega para nos oferecer uma representação sincera e poderosa.
Os campos verdes da Irlanda, as suas praias pedregosas e os seus rochedos escarpados proporcionam uma fotografia maravilhosa, que é bem aproveitada para mostrar as paisagens físicas das terras gaélicas onde a Natureza mostra a sua força. Estas cruzam-se com as paisagens humanas, como a da tez alva polvilhada de sardas e os cabelos ruivos da holandesa Lotte Verbeek, com os seus olhos azuis-esverdeados que parecem reflectir o mar, e as mãos sulcadas pelos anos e pelo trabalho do irlandês Stephen Rea. A temperar tudo isto temos momentos de música tradicional irlandesa, num registo popular, mas também de ópera, num registo erudito. No seu conjunto, todos estes elementos constituem uma paisagem europeia, das suas terras e das suas gentes, da sua cultura e do seu mistério.
Na era do consumismo desenfreado e do bombardeamento mediático, há uma sensação de liberdade ao observar a vida neste recanto, onde o dia é ocupado normalmente com o trabalho da casa e do campo e as pausas com as refeições e a leitura. Não há televisão e é um velho rádio que dá música e por vezes notícias, em som de fundo. O conforto não está no excesso e no comodismo, mas na justa recompensa do esforço diário e no conhecimento da terra e do seu equilíbrio.
Esta é uma viagem – não no sentido de turismo, mas de aventura – não nos deixa indiferentes. Até o enigmático final mantém a questão mais importante levantada durante o filme: “Quem és tu?” [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
NADA PESSOAL
Título original: Nothing personal
Realização: Urszula Antoniak
Com: Stephen Rea, Lotte Verbeek
IRE/HOL, 2009, 85 min.
Estreia em Portugal: 10 de Junho de 2010.
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cinema
DE PASSAGEM
A América que nos chega a casa diariamente é a da “terra das oportunidades”, do espectáculo, da abundância e do desperdício. Um novo centro do mundo, a hiperpotência que influencia todo o planeta. No cinema, a imagem desta América é, por excelência, Hollywood e as suas grandes produções. Mas, por detrás desta tela, há um país profundo, um mundo onde também há pobreza e extremas dificuldades. Também há outro cinema – independente –, felizmente cada vez mais divulgado entre nós, onde encontramos boas surpresas. É o caso de “Wendy e Lucy”, cuja estreia foi há dois anos no Festival de Cinema de Cannes.
Wendy (Michelle Williams) é uma rapariga que está “on the road” com a sua cadela Lucy e o pouco dinheiro contado. O seu destino é o Alaska, referido quase como “terra prometida”, onde espera encontrar um emprego. Ainda no Oregon, o seu carro avaria-se forçando-a a parar até tentar resolver o problema, mas as coisas precipitam-se. A sua débil situação financeira leva-a a furtar duas latas de comida para cão num supermercado para alimentar Lucy. É apanhada, detida e forçada a deixar a sua companheira canina presa à porta da loja. Quando regressa da esquadra, ao fim de longas horas, não encontra a sua amiga e começa a desesperar.
A história deste filme é a de uma busca motivada pela amizade. Da forma como esse sentimento se torna um compromisso do qual se não pode desistir, por muito difíceis que se tornem as coisas. Uma jornada por um mundo que funciona a dinheiro, com apenas uns tostões no bolso e que vão desaparecendo rapidamente.
Michelle Williams, que tem um excelente desempenho, é o centro do filme e vai-se cruzando com várias personagens fugazes que preenchem bem toda a acção. Como a sua personagem afirma por várias vezes: está “só de passagem”. O trabalho de Kelly Reichardt, que regressa ao mesmo estado onde filmou “Old Joy” (2006), é bastante bom e são de notar os planos fantásticos no supermercado – uma extraordinariamente bem conseguida oposição consumismo/necessidade.
Esta é uma reflexão norte-americana, a lembrar que momentos como a Grande Depressão também fazem parte daquele país. Uma viagem pessoal sobre a vida, o nosso caminho, a solidariedade, a amizade e as decisões a que somos levados. Em tempos de crise, é bom lembrar que para os gregos antigos “krisis” significava exactamente “decisão”, mas num momento conturbado, especialmente provocado por factores exógenos, onde tudo era possível
Uma estreia a saudar, já que traz o cinema independente norte-americano às salas portuguesas, que só peca por tardia. Uma obra a mostrar que uma história simples também dá um bom filme. Um filme sobre os valores e a sua importância quando tudo o resto falta e que nos obriga a questionar certezas que tínhamos por inabaláveis. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
WENDY & LUCY
Título original: Wendy and Lucy
Realização: Kelly Reichardt
Com: Michelle Williams, Will Patton, Will Oldham, John Robinson
EUA, 2008, 80 min.
Estreia em Portugal: 3 de Junho de 2010.
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Wendy (Michelle Williams) é uma rapariga que está “on the road” com a sua cadela Lucy e o pouco dinheiro contado. O seu destino é o Alaska, referido quase como “terra prometida”, onde espera encontrar um emprego. Ainda no Oregon, o seu carro avaria-se forçando-a a parar até tentar resolver o problema, mas as coisas precipitam-se. A sua débil situação financeira leva-a a furtar duas latas de comida para cão num supermercado para alimentar Lucy. É apanhada, detida e forçada a deixar a sua companheira canina presa à porta da loja. Quando regressa da esquadra, ao fim de longas horas, não encontra a sua amiga e começa a desesperar.
A história deste filme é a de uma busca motivada pela amizade. Da forma como esse sentimento se torna um compromisso do qual se não pode desistir, por muito difíceis que se tornem as coisas. Uma jornada por um mundo que funciona a dinheiro, com apenas uns tostões no bolso e que vão desaparecendo rapidamente.
Michelle Williams, que tem um excelente desempenho, é o centro do filme e vai-se cruzando com várias personagens fugazes que preenchem bem toda a acção. Como a sua personagem afirma por várias vezes: está “só de passagem”. O trabalho de Kelly Reichardt, que regressa ao mesmo estado onde filmou “Old Joy” (2006), é bastante bom e são de notar os planos fantásticos no supermercado – uma extraordinariamente bem conseguida oposição consumismo/necessidade.
Esta é uma reflexão norte-americana, a lembrar que momentos como a Grande Depressão também fazem parte daquele país. Uma viagem pessoal sobre a vida, o nosso caminho, a solidariedade, a amizade e as decisões a que somos levados. Em tempos de crise, é bom lembrar que para os gregos antigos “krisis” significava exactamente “decisão”, mas num momento conturbado, especialmente provocado por factores exógenos, onde tudo era possível
Uma estreia a saudar, já que traz o cinema independente norte-americano às salas portuguesas, que só peca por tardia. Uma obra a mostrar que uma história simples também dá um bom filme. Um filme sobre os valores e a sua importância quando tudo o resto falta e que nos obriga a questionar certezas que tínhamos por inabaláveis. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
WENDY & LUCY
Título original: Wendy and Lucy
Realização: Kelly Reichardt
Com: Michelle Williams, Will Patton, Will Oldham, John Robinson
EUA, 2008, 80 min.
Estreia em Portugal: 3 de Junho de 2010.
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cinema
MAU TENENTE MAU
Werner Herzog recusou que o seu filme, baptizado com o título original quilométrico “The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans”, fosse um “remake” do excepcional “Bad Lieutenant” realizado em 1992 por Abel Ferrara. No entanto, como facilmente se percebe, é impossível não pensarmos nesse clássico contemporâneo “neo-dark”com a magnífica interpretação de Harvey Keitel. A inspiração é óbvia: um polícia corrupto, que abusa do poder, consome drogas, joga em apostas ilegais e entra numa espiral de decadência. Mas a distância entre os dois filmes é enorme – é a que vai de uma obra-prima a um filme vulgar.
Quando o filme foi anunciado, houve uma “troca de galhardetes” na comunicação social entre os dois realizadores. Ferrara, bastante irritado com a notícia, chegou mesmo a desejar a morte às pessoas que fazem “remakes”. A reacção de Herzog foi afirmar que desconhecia Abel Ferrara e nunca tinha visto qualquer trabalho dele.
Polémica à parte, este “Polícia sem Lei” tem lugar em Nova Orleães e passa-se após a destruição deixada pelo furacão Katrina. Este é um dos aspectos que foram muito mal aproveitados, já que o caos que se gerou na sequência dessa catástrofe natural não é explorado.
A história é a de um polícia que lesiona as costas ao salvar um detido de morrer afogado numa inundação. Dos analgésicos receitados às drogas duras é um instante, talvez até uma passagem demasiado rápida. Promovido a tenente, é nomeado responsável pela investigação de um homicídio múltiplo durante a qual se envolve numa série de situações complicadas. Tudo parece correr mal e precipitar-se: vício, abuso, dívidas, azares, ligações com criminosos, entre outros. Aparentemente num beco sem saída, vemos a sua vida desabar diante os seus olhos e interrogamo-nos: será que tal percurso descendente pode ter um final feliz?
Nicholas Cage representa Terrence McDonagh, a personagem principal, e está bem nas cenas como drogado, mas longe da sua impressionante prestação em “Morrer em Las Vegas” (1995), de Mike Figgis, filme brilhante e tocante sobre o vício e as suas últimas consequências. Cambaleando com o seu Smith & Wesson modelo 29 à cintura – revólver igual ao imortalizado no cinema por Dirty Harry –, desleixadamente enfiado nas calças, falha nas cenas onde parece tentar um lado cómico exagerado. Quanto a outros desempenhos, Eva Mendes não surpreende e Val Kilmer pouco aparece e sempre num tom exaltado.
Um filme ao qual falta a profundidade, a dureza e a tensão exigidas; para além da violência crua e não de espectáculo, como nos é apresentada. Um trabalho ao qual falta a dimensão trágica de uma desgraça pessoal, que acaba tratada com uma ligeireza improvável e, por isso, inadmissível. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
POLÍCIA SEM LEI
Título original: The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans
Realização: Werner Herzog
Com: Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer, Fairuza Balk, Alvin `Xzibit` Joiner, Shawn Hatosy,Jennifer Coolidge, Brad Dourif
EUA, 2009, 122 min.
Estreia em Portugal: 13 de Maio de 2010.
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Quando o filme foi anunciado, houve uma “troca de galhardetes” na comunicação social entre os dois realizadores. Ferrara, bastante irritado com a notícia, chegou mesmo a desejar a morte às pessoas que fazem “remakes”. A reacção de Herzog foi afirmar que desconhecia Abel Ferrara e nunca tinha visto qualquer trabalho dele.
Polémica à parte, este “Polícia sem Lei” tem lugar em Nova Orleães e passa-se após a destruição deixada pelo furacão Katrina. Este é um dos aspectos que foram muito mal aproveitados, já que o caos que se gerou na sequência dessa catástrofe natural não é explorado.
A história é a de um polícia que lesiona as costas ao salvar um detido de morrer afogado numa inundação. Dos analgésicos receitados às drogas duras é um instante, talvez até uma passagem demasiado rápida. Promovido a tenente, é nomeado responsável pela investigação de um homicídio múltiplo durante a qual se envolve numa série de situações complicadas. Tudo parece correr mal e precipitar-se: vício, abuso, dívidas, azares, ligações com criminosos, entre outros. Aparentemente num beco sem saída, vemos a sua vida desabar diante os seus olhos e interrogamo-nos: será que tal percurso descendente pode ter um final feliz?
Nicholas Cage representa Terrence McDonagh, a personagem principal, e está bem nas cenas como drogado, mas longe da sua impressionante prestação em “Morrer em Las Vegas” (1995), de Mike Figgis, filme brilhante e tocante sobre o vício e as suas últimas consequências. Cambaleando com o seu Smith & Wesson modelo 29 à cintura – revólver igual ao imortalizado no cinema por Dirty Harry –, desleixadamente enfiado nas calças, falha nas cenas onde parece tentar um lado cómico exagerado. Quanto a outros desempenhos, Eva Mendes não surpreende e Val Kilmer pouco aparece e sempre num tom exaltado.
Um filme ao qual falta a profundidade, a dureza e a tensão exigidas; para além da violência crua e não de espectáculo, como nos é apresentada. Um trabalho ao qual falta a dimensão trágica de uma desgraça pessoal, que acaba tratada com uma ligeireza improvável e, por isso, inadmissível. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
POLÍCIA SEM LEI
Título original: The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans
Realização: Werner Herzog
Com: Nicolas Cage, Eva Mendes, Val Kilmer, Fairuza Balk, Alvin `Xzibit` Joiner, Shawn Hatosy,Jennifer Coolidge, Brad Dourif
EUA, 2009, 122 min.
Estreia em Portugal: 13 de Maio de 2010.
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O TANQUE
O conflito a que Israel chamou “Operação Paz na Galileia” e os árabes “A Invasão” ficou conhecido como Primeira Guerra do Líbano e iniciou-se a 6 de Junho de 1982, com a invasão do Sul do Líbano por tropas israelitas com o apoio de cristãos libaneses, contra a OLP, forças sírias e libanesas muçulmanas. É exactamente nesse mês que se passa “Líbano”, realizado e escrito por Samuel Maoz, que se baseou nas suas próprias experiências nessa guerra onde foi ferido aos 20 anos de idade.
O filme, que venceu o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza do ano passado, conta a história da tripulação de um tanque que tem que acompanhar um pelotão de pára-quedistas numa operação em território hostil. De início, tudo é apresentado como sendo uma coisa simples, um “passeio” como é dito. Mas cedo se percebe que não vai ser assim, pelo contrário. O destino da missão, um hotel chamado ironicamente Saint Tropez, começa a pouco e pouco a tornar-se uma miragem.
Dentro desse tanque há uma inscrição que diz “o tanque é de ferro, os homens são de aço”, mas o que ninguém disse a estes jovens soldados é que esse aço é temperado pela guerra. E é exactamente a guerra que eles vão encontrar e viver, com todas a suas dúvidas e o seu horror, o que lhes causa uma tremenda confusão e pressão. São novos, inexperientes, ingénuos até. O comandante do tanque não tem autoridade e é constantemente questionado pela sua equipa, na qual uns contam o tempo de comissão que lhes falta e outros sonham com o conforto do lar maternal, numa permanente desautorização. Também não são movidos por um idealismo ou conhecimento dos beligerantes. A determinada altura um deles pergunta: “O que é um falangista?”
Tudo isto se passa num espaço claustrofóbico, para agravar ainda mais a tensão. Esta é aliás uma palavra que define bem este filme. O único momento em que essa tensão parece aliviar-se é quando um dos rapazes conta uma história pessoal que cruza a morte do seu pai e uma situação de cariz sexual com a professora do liceu. A sua expressão mostra-nos como naqueles homens a adolescência está ainda tão perto.
O mundo exterior chega-lhes pela mira do artilheiro – que aqui funciona como uma segunda câmara, um segundo nível do filme –, ou pela escotilha por onde entram o comandante pára-quedista, um camarada de armas morto, um prisioneiro sírio e um falangista libanês.
Por fim, há que referir o trabalho muito bem conseguido de realização dos jogos de reflexos com a água no chão do tanque, talvez a mostrar que esta é a única forma de ultrapassar a exiguidade constrangedora do espaço, para além da mira que anuncia morte e destruição. Aqui, o ambiente confinado entra-nos pelos olhos dentro, com as paredes oleosas e os fumos intoxicantes, para além do desconforto do ruído ensurdecedor. Uma atmosfera que se sente neste filme de tensão constante. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
LÍBANO
Título original: Lebanon
Realização: Samuel Maoz
Com: Oshri Cohen, Zohar Shtrauss, Michael Moshonov, Itay Tiran, Yoav Donat, Reymond Amsalem, Dudu Tassa
ALE/ISR/FRA, 2010, 93 min.
Estreia em Portugal: 6 de Maio de 2010.
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O filme, que venceu o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza do ano passado, conta a história da tripulação de um tanque que tem que acompanhar um pelotão de pára-quedistas numa operação em território hostil. De início, tudo é apresentado como sendo uma coisa simples, um “passeio” como é dito. Mas cedo se percebe que não vai ser assim, pelo contrário. O destino da missão, um hotel chamado ironicamente Saint Tropez, começa a pouco e pouco a tornar-se uma miragem.
Dentro desse tanque há uma inscrição que diz “o tanque é de ferro, os homens são de aço”, mas o que ninguém disse a estes jovens soldados é que esse aço é temperado pela guerra. E é exactamente a guerra que eles vão encontrar e viver, com todas a suas dúvidas e o seu horror, o que lhes causa uma tremenda confusão e pressão. São novos, inexperientes, ingénuos até. O comandante do tanque não tem autoridade e é constantemente questionado pela sua equipa, na qual uns contam o tempo de comissão que lhes falta e outros sonham com o conforto do lar maternal, numa permanente desautorização. Também não são movidos por um idealismo ou conhecimento dos beligerantes. A determinada altura um deles pergunta: “O que é um falangista?”
Tudo isto se passa num espaço claustrofóbico, para agravar ainda mais a tensão. Esta é aliás uma palavra que define bem este filme. O único momento em que essa tensão parece aliviar-se é quando um dos rapazes conta uma história pessoal que cruza a morte do seu pai e uma situação de cariz sexual com a professora do liceu. A sua expressão mostra-nos como naqueles homens a adolescência está ainda tão perto.
O mundo exterior chega-lhes pela mira do artilheiro – que aqui funciona como uma segunda câmara, um segundo nível do filme –, ou pela escotilha por onde entram o comandante pára-quedista, um camarada de armas morto, um prisioneiro sírio e um falangista libanês.
Por fim, há que referir o trabalho muito bem conseguido de realização dos jogos de reflexos com a água no chão do tanque, talvez a mostrar que esta é a única forma de ultrapassar a exiguidade constrangedora do espaço, para além da mira que anuncia morte e destruição. Aqui, o ambiente confinado entra-nos pelos olhos dentro, com as paredes oleosas e os fumos intoxicantes, para além do desconforto do ruído ensurdecedor. Uma atmosfera que se sente neste filme de tensão constante. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]
LÍBANO
Título original: Lebanon
Realização: Samuel Maoz
Com: Oshri Cohen, Zohar Shtrauss, Michael Moshonov, Itay Tiran, Yoav Donat, Reymond Amsalem, Dudu Tassa
ALE/ISR/FRA, 2010, 93 min.
Estreia em Portugal: 6 de Maio de 2010.
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