UM DIA E NOITE PARA ESQUECER

A maré de Verão dá à costa alguns bons filmes, mas também nos traz habitualmente aquelas grandes produções de Hollywood com muitos efeitos especiais e actores conhecidos que, após muito alarido, constatamos que não passam de uma verdadeira perda de tempo, mesmo para quem esteja nas chamadas férias grandes.

É o caso de “Dia e Noite”, que na sua publicidade prometia ser um estrondo do entretenimento estival, mas que se revelou um ‘flop’ de bilheteira nos EUA em detrimento de outros filmes que supostamente não seriam tão do agrado dos espectadores norte-americanos. Os maus resultados comerciais iniciais motivaram inclusive uma alteração de imagem na sua campanha promocional. Mudança de mentalidades na pátria do cinema ‘pop-corn’? Duvido. O facilmente constatável é a baixíssima qualidade desta película. Até os ruminadores de pipocas se recusam, por vezes, a comer tudo o que lhes põem à frente.

Esta é uma tentativa de comédia de acção na qual pouco há a desmontar. June Havens (Cameron Diaz) é rapariga solteira que se encontra para todo o filme com Roy Miller (Tom Cruise), um agente secreto numa missão perigosíssima. Ela tem o seu quê de Maria-rapaz, como o gosto pela reparação de automóveis clássicos. Como diz a determinada altura: “O meu pai queria rapazes…” Ele tem uma descontracção permanente e uma agilidade surpreendente, enquanto mata malandros a torto e a direito. Esta dupla vai andar todo o tempo numa correria ofegante, entre tiros e explosões, motas e aviões, saltando entre vários pontos do mundo.

Os ingredientes cómicos limitam-se a situações rocambolescas forçadas e expressões aparvalhadas. Há também uma série de referências aos filmes de agentes secretos, como a cena em que Cruise sai do mar a lembrar o James Bond de “Casino Royale” (2006).

Um pormenor que não nos escapa, ainda para mais como portugueses, são as calinadas geográficas. Serão mais tentativas falhadas de comédia (duvido) ou a habitual ignorância norte-americana nesta disciplina? O refúgio de Roy Miller é um ilhéu tropical que os maus da fita localizam nos Açores! Aqui ao lado, em Espanha, há uma perseguição que decorre entre uma largada de touros na festa de San Fermín… em Sevilha! Mas há mais. Para dar um último exemplo, há uma cena passada na Áustria onde vemos polícias com a designação “Polizei” nas costas cruzarem-se a equipa de médicos legistas com blusões com a inscrição “Coroner”… É piada? Não se percebe.

Ver Tom Cruise a fazer dele próprio e Cameron Diaz em biquíni numa não-história acelerada, com cenas de acção exageradamente irreais e comédia sem graça? É caso para dizer que, ainda por cima com este tempo, há coisas melhores para fazer. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



DIA E NOITE
Título original: Knight And Day
Realização: James Mangold
Com: Tom Cruise, Cameron Diaz, Peter Sarsgaard, Jordi Mollà, Viola Davis, Paul Dano
EUA, 2010, 109 min.
Estreia em Portugal: 15 de Julho de 2010.
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CASA ASSOMBRADA

“O Escritor Fantasma” é uma verdadeira casa assombrada cheia de fantasmas. O primeiro é o realizador. Polanski, a braços com a justiça norte-americana devido a um caso de abuso sexual de uma menor há vários anos, ficou impossibilitado de regressar aos EUA. Esta situação gerou muita polémica, nomeadamente devido à solidariedade de várias celebridades do mundo do espectáculo, que com certeza teriam outra atitude se se tratasse de um dos tantos casos de pedofilia que diariamente enchem a imprensa. Mas há que ter a honestidade de separar as águas, já que a única influência que essa situação tem no filme até é benéfica, pois há claras semelhanças no isolamento e na fuga à justiça que seguramente o inspiraram.

O fantasma mais importante do filme é o que lhe dá o título, um escritor do qual nunca sabemos o nome durante toda a acção, extraordinariamente representado por Ewan McGregor, com a ingenuidade e sinceridade imprescindíveis. Ao ser contratado para redigir na sombra as memórias de um antigo primeiro-ministro britânico – interpretado por Pierce Brosnan, a quem o papel assenta que nem uma luva –, que nos recorda automaticamente Tony Blair, começa a perceber que nem tudo é tão simples e fácil como inicialmente aparentava.

Levado para uma casa que se adivinha ser em Martha’s Vineyard, apesar de ter sido filmada na Alemanha pelas impossibilidades referidas acima, transmite-nos o sentimento de clausura nesta magnífica arquitectura sóbria e ao mesmo tempo tão fria como o mar gelado que vemos lá fora através das paredes em vidro. Aí, a dúvida instala-se e o mistério adensa-se. O fantasma seu antecessor morreu afogado e ele começa a suspeitar de assassinato. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro é acusado pelo Tribunal Penal Internacional e faz tudo para aparentar calma e normalidade. Espionagem, conspiração de opositores políticos, interesses ocultos, movimentações de bastidores – os ingredientes estão todos neste argumento baseado num romance de Robert Harris, que o adaptou ao cinema em conjunto com Polanski.

A história faz-nos recuar até um passado recente: a administração Bush, a Guerra contra o terrorismo, a invasão do Iraque, os voos secretos da CIA, etc. Nesta viagem pelos caminhos sinuosos das altas esferas do poder internacional, temos “flashes” de trabalhos anteriores do realizador e também do mestre Hitchtcock. Mas o que está maravilhosamente bem conseguido é a atmosfera “noir” em que tudo se passa. E não é nada “retro”, pelo contrário, encaixa impecavelmente com um filme dos nossos dias.

Um “thriller” muitíssimo bem construído, onde o cineasta vai levantando véu a véu uma intriga internacional profunda, sempre com uma intensidade que nos agarra à tela durante toda a acção. Onde os actores, talentosamente dirigidos, nos oferecem personagens que se vão revelando ao longo de todo um percurso findo o qual regressamos mentalmente aos pormenores apontados na memória e vemos que estava tudo lá, à espera de ser descoberto. Esta excelente casa assombrada é, sem dúvida, um assombro a não perder. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]




O ESCRITOR FANTASMA
Título original: The Ghost Writer
Realização: Roman Polanski
Com: Ewan McGregor, Kim Cattrall, Olivia Williams, Pierce Brosnan, Timothy Hutton, Tom Wilkinson, Robert Pugh, James Belushi, David Rintoul, Eli Wallach
FRA/ALE/RU, 2010, 128 min.
Estreia em Portugal: 15 de Julho de 2010.
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QUEBRAR A ROTINA

Se há não muito tempo o cinema que se faz noutras paragens raramente chegava a Portugal, agora há que reconhecer que chega cada vez mais. No entanto, uma das características negativas é o tempo que tais filmes demoram a estrear entre nós. É o caso de “Whisky”, uma produção de 2004 – ano em que foi distinguido com o Prémio da Crítica no Festival de Cinema de Cannes –, onde o atraso ultrapassa o limite do razoável.

Este é um filme que nos leva a Montevideo, no Uruguai, mais concretamente a uma fábrica de meias que parece ter parado no tempo. Todos os dias, Jacobo Köller, um dos tantos judeus de apelido germânico que vivem na América do Sul, abre a porta do velho negócio da família na presença da mais antiga das suas três funcionárias. Marta, a sua fiel assistente, acompanha-o nos rituais matinais de pôr a pequena fábrica a trabalhar.

A acção é demorada, com poucos e curtos diálogos e necessariamente repetitiva. Pode até parecer aborrecida, de início, mas é essencial para captar as vidas de pessoas iguais a tantas outras com quem nos podemos cruzar na rua. Para detectar como o dia-a-dia destas formigas humanas se assemelha na sua mecânica ao trabalhar de uma máquina de coser ou de toda uma fábrica.

Mas algo vai perturbar esse regular funcionamento. A visita de Herman, o irmão de Jacobo, a propósito da morte recente da mãe de ambos, vai fazer com que este simule estar casado com Marta. Esta encenação, devida ao sucesso de Herman, que modernizou a sua fábrica do mesmo ramo no Brasil e mostra orgulhoso a fotografia das filhas, vai suscitar várias questões.

O quebrar da rotina, tão desconfortável para Jacobo, levanta as dúvidas sobre as opções de vida de cada um. É um reencontro familiar no verdadeiro sentido, com os fantasmas do passado, os incómodos do presente e as dúvidas do futuro. É ainda possível mudar?

Há uma cena em que Marta mostra a Herman uma habilidade que diz ter desenvolvido quando estava enfadada: a de conseguir dizer as palavras de trás para a frente. Parece que nesta brincadeira engraçada está uma reflexão mais profunda. Será que perante uma vida de aborrecimento podemos ainda inverter as coisas? Mesmo que essa mudança não tenha um significado imediato e que seja inesperada? Mas a interrogação mais importante de todas – e que paira na cabeça de todos nós –, não é a de se podemos mudar, mas antes se realmente o queremos.

Lembro-me daquela história onde, num grupo de amigos, perante a clássica “o que fariam se ganhassem a lotaria?”, um diz que concretizaria um sonho, outro imagina compras extravagantes, mas há um que simplesmente responde que continuaria a trabalhar no mesmo sítio.

* Antecedendo este filme nas salas nacionais, passa em complemento a curta-metragem de animação portuguesa “A Dama da Lapa”, realizada por Joana Toste, em 2004.
[publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



WHISKY
Título original: Whisky
Realização: Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll
Com: Jorge Bolani, Mirella Pascual, Andrés Pazos, Ana Katz, Daniel Hendler
URU, ARG, ALE, ESP, 2004, 99 min.
Estreia em Portugal: 1 de Julho de 2010.
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RUMO AO NORTE

“Sem nome” é a estreia nas longas-metragens do jovem realizador californiano Cary Fukunaga, que também escreveu o argumento deste filme que nos leva à América Central pelos trilhos da imigração ilegal e da vida nos gangues.

A acção começa em Chiapas, no sul do México, onde através de Willy (Edgar Flores) somos introduzidos na realidade do gangue a que pertence e onde é conhecido por “El Casper”. Os membros distinguem-se pelas suas tatuagens em todo o corpo, muitos deles até na cara, e estão naturalmente implicados em actividades criminosas. Willy escapa-se por vezes às suas obrigações para estar secretamente com a sua namorada e isso é algo que prontamente percebemos que lhe trará problemas com os seus companheiros. Um dos sítios a que tem que estar atento é a La Bombilla, uma parte da linha férrea onde centenas de imigrantes esperam comboios que os levem para norte, em direcção ao desejado “el dorado”.

O gangue em questão é o Mara Salvatrucha, que não é ficcionado, mas bem real. Nascido nos anos 80 em Los Angeles como gangue étnico salvadorenho, desenvolveu-se até aos nossos dias estendendo a sua influência da América Central à do Norte, após as deportações de vários dos seus membros. As suas principais características são a extrema violência e as vinganças cruéis. Os ritos iniciáticos, as tatuagens, os símbolos feitos com as mãos, as execuções e a exploração dos imigrantes, tais como aparecem no filme, ao que parece estão bem representadas e correspondem às práticas dos “mareros”.

Voltando a La Bombilla, é aí que Sayra (Paulina Gaitán), que vem com o seu pai e o seu tio desde as Honduras com o objectivo de chegar aos EUA, se vai cruzar com Willy e o seu percurso altera-se radicalmente. Através dela e dos seus familiares ficamos a conhecer as árduas condições enfrentadas por estes imigrantes, dispostos a arriscar tudo pelo seu sonho. Viajando em cima de comboios de mercadorias, sempre alerta às autoridades, tanto são agradavelmente surpreendidos por crianças que lhes atiram fruta para comer, quando passam no centro do país, como lhes esperam pedras e insultos quando já estão perto da fronteira do norte, atiradas igualmente por crianças que lhes dizem: “Não vos queremos aqui! Vão-se embora!”

Há um dado curioso a notar. Paulina Gaitán, que interpreta a rapariga hondurenha, é uma actriz mexicana, e Edgar Flores, que interpreta um jovem mexicano, é um actor hondurenho.

Concluindo, apesar da actualidade do tema tratado e das possibilidades desta história, o filme não surpreende. Pelo contrário, é sempre previsível, com os acontecimentos futuros anunciados com demasiada antecedência. As representações também deixam a desejar e a realização, apesar de alguns bons planos e sequências, não traz nada de novo. [publicado na secção CineMais da edição desta semana de «O Diabo»]



SEM NOME
Título original: Sin Nombre
Realização: Cary Fukunaga
Com: Edgar Flores, Paulina Gaitán, Diana García, Tenoch Huerta, David Serrano, Gerardo Taracena
EUA/MÉX, 2009, 96 min.
Estreia em Portugal: 24 de Junho de 2010.
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